“Estamos
entrando em colapso”. O aviso é do engenheiro Edson Fernandes da Silva, 63
anos, em voz baixa, pausada. Mas a observação não se refere a uma unidade
industrial à beira da destruição, ou a alguma estrutura prestes a despencar.
Edson, 63 anos, fala sobre a cidade de Catu, há 90 quilômetros de Salvador. O
empresário do setor de hospedagem e alimentação foi atraído há quase 30 anos
para uma “cidade que não dormia” e de “pleno emprego”. Uma cidade que não
existe mais.
Em 1990, o ex-funcionário
do Polo de Camaçari encontrou o lugar perfeito para realizar o sonho de cuidar
do próprio negócio. Nascia o Hotel e Restaurante Paradise. Um paraíso para o
empresário, que via o empreendimento crescer junto com a produção de petróleo
na própria Catu e em outras cidades da região, como Alagoinhas, Pojuca, Mata de
São João e Entre Rios. Nos tempos de glória, o Paradise chegou a servir 1,2 mil
refeições por dia. Hoje saem, em média, 80. Nos melhores momentos, o
empresário chegou a ter 50 funcionários – quase três vezes mais que os atuais
16.
O baque no Paradise está longe de
ser um caso isolado e pode ser compreendido a partir de uma outra retração. Em
90, quando Edson iniciou a atividade empresarial em Catu, a produção média de
petróleo nos poços em terra (onshore) na Bahia tinha sido de quase 70 mil
barris/dia, contra pouco mais de 30 mil barris/dia no último ano.
Segundo ele, o município
tenta se ajustar à nova realidade, mas o petróleo é fundamental para a
sobrevivência do município.
Requião conta que a rede de
serviços públicos, nas áreas de educação e saúde, principalmente, está
sobrecarregadas. Além de uma queda nas receitas, houve um aumento nas despesas.
“Antes tinha muita gente aqui que trabalhava diretamente na Petrobras, ou em empresas
prestadoras de serviços, que tinham salários bons e condições para bancar a
educação dos filhos, além do plano de saúde. Agora, quando alguém fica doente,
o único recurso é a rede de saúde pública".
Catu tem o cavalo mecânico quase
como um monumento. Os principais marcos de localização são antigas estruturas
da Petrobras. Mas, hoje, o que se espera por lá é uma posição da empresa, ainda
que seja no sentido de passar seus ativos para outros operadores. “Nós não
fomos os únicos que sofreram com a crise na Petrobras. Este processo de saída
da empresa está deixando um legado terrível”, lamenta.
Queda na demanda
A locadora que a família do empresário Paulo Mathias possui atua em Catu há 23
anos. Ele conta que há 15 anos a realidade da cidade era totalmente diferente.
“Nos últimos dois anos, a situação da cidade se agravou bastante. Todos
sentimos o impacto. A Petrobras reduziu bastante a demanda por serviços e
muitas empresas que atuavam aqui simplesmente desapareceram”, conta.
Nos
melhores momentos, a locadora chegou a empregar 60 motoristas, todos com
carteira assinada, lembra. A frota, que era de 120 veículos, foi reduzida para
40. “Não temos mais motoristas contratados, a nossa equipe se resume a nossa
secretária”, diz.
Ivo
Garcia de Santana, 37 anos, motorista carreteiro e montador industrial, conhece
bem os efeitos da crise. O morador de Pojuca explica que hoje as oportunidades
são escassas e com salários piores. “É muito comum ser contratado e depois de
um tempo a empresa falir”, conta. Na montagem de linhas, ele conta que chegou a
trabalhar numa empresa com 800 funcionários, que hoje não emprega mais de
cem.
Um
caso emblemático na região é o da Lupatech, uma antiga potência no setor de
sondas, que chegou a ter 19 equipamentos de perfuração e fechou as portas em
2015, deixando para trás mais de 800 desempregados. A antiga sede da empresa
abriga apenas um vigilante, que guarda o prédio em ruínas.
Perto
dali, na Estação Santiago, da Petrobras, o mesmo cenário. Nos bons tempos, um
pool de 50 ônibus transportava trabalhadores de diversas cidades baianas.
No
Campo de Santana, o operador Fabrício Estrela de Souza, 41 anos, é uma exceção.
Há seis anos, ele trabalha para a Santana Energia, monitorando a produção no
poço de 1,6 mil metros de profundidade. A entrada no mundo do petróleo se deu
por curiosidade. O pai trabalhou na área. O tio, o irmão e um primo. “Hoje o
mercado de trabalho está menos aquecido porque tem muitos poços parados. A
gente torce muito para reaquecer”, afirma.
Faltam empregos e água em Buracica
A cozinheira Elisângela Teles Damasceno, 37 anos, nascida e criada no distrito de Bonião, acompanha de perto o dia a dia da produção de petróleo em uma das mais importantes áreas produtoras do estado. Em frente ao restaurante em que ela trabalha com a irmã está a Base de Produção de Buracica, sede da Petrobras na região.
O campo de Buracica, no município de Alagoinhas, é um dos
mais antigos ativos da Petrobras no Brasil. Sua descoberta, no dia 20 de abril
de 1959, ajudou a redesenhar não apenas a realidade econômica daquela região,
mas da própria Bahia e do Brasil. Hoje, entretanto, com o declínio da produção,
restou aos moradores lidar com o desemprego e a falta de água potável.
Mesmo nos
dias mais fracos, o restaurante recebe pelo menos 40 pedidos de trabalhadores
da base da Petrobras. “Quando tem alguma empresa prestando serviço, aí é mais
do que o dobro”, conta Elisangela. Os PFs de churrasco, mocofato, caruru e
feijoada não dão para quem quer. “Eles gostam de comida pesada mesmo”, ri.
Entretanto,
o que tem tornado um peso insuportável à vida naquelas bandas é a dificuldade
para arrumar trabalho e a falta de água, que vem se tornando um problema
crônico, segundo os relatos da população. “Aqui se vive da zona rural
mesmo, mas sem água tem muita gente passando dificuldades”, conta a cozinheira.
O presidente
da Associação da Comunidade de Buracica, Davi Barbosa, acredita que a falta de
água é o mais grave problema da região. Ele acusa a Petrobras de utilizar toda
a água disponível para injetar nos poços de petróleo e deixar a população sem
nada.
“Nós já
vivemos da pesca no Rio Una. A comunidade era rica, mas os lençóis freáticos
foram destruídos. Até o ar está poluído”, reclama Barbosa. Segundo ele,
recentemente, a Petrobras substituiu a água, que era fornecida em tubos de
ferro para a população por carros-pipa, que demoram a passar. “Empregos, quando
tem, são muito poucos, mas conseguimos negociar. Essa questão da água que é
mais grave”, aponta.
A reportagem
questionou a Petrobras sobre a produção de petróleo na Bahia e os
questionamentos da população sobre a oferta de água, mas não obteve retorno até
o fechamento desta edição.
Informações: Correio