terça-feira, 3 de junho de 2014

"O Brasil deve começar a agir como a democracia que é"

Foto: Reprodução
Faltando apenas uma semana para o início da Copa do Mundo, todos os olhos se voltam para o Brasil. Mas enquanto o evento se aproxima o país assiste a algumas das maiores manifestações em décadas, com centenas de milhares de brasileiros protestando contra o transporte público deficiente, a corrupção no governo e os gastos do Estado com o campeonato, dinheiro que eles acreditam que seria melhor utilizado em serviços públicos.
A resposta do Estado a essas manifestações foi aumentar a repressão e a violência, o que tem implicações preocupantes para a liberdade de expressão individual e coletiva no Brasil. De fato, parece que apesar de ser conduzida pela presidente Dilma Rousseff, que também foi torturada durante a ditadura, a máquina do Estado ainda mantém sua mentalidade militar, vendo como ameaça até o protesto mais pacífico.
A polícia está usando força excessiva contra os manifestantes, incluindo balas de borracha potencialmente letais e gás lacrimogêneo. Um grande número de policiais foi visto removendo suas identificações durante os protestos e houve casos de policiais que se recusaram a se identificar quando solicitados por manifestantes e jornalistas. Houve dezenas de prisões e detenções arbitrárias, incluindo a detenção para interrogatório de pessoas não envolvidas em potenciais atos criminosos ou sob investigação, o que é ilegal. Nossa pesquisa mostra que o número de pessoas detidas em protestos em 2013 chegou a 2.608. De modo preocupante, não temos ciência de quaisquer sanções contra a polícia que cometeu violações durante as manifestações, apesar de muitos desses incidentes terem sido registrados em filme.
A reação do Poder Judiciário foi mista. Alguns juízes libertaram os detidos, recusando argumentos da polícia para denunciá-los por associação criminosa e conspiração simplesmente porque estavam vestidos de preto ou usando máscaras. No entanto, um juiz liberou um grupo de sete manifestantes sob a condição de que eles não participem de novos protestos pessoalmente ou na internet -- uma séria afronta à liberdade de expressão e aos direitos de reunião pacífica dos manifestantes.
O primeiro julgamento que levou um indivíduo à prisão ocorreu em 2 de dezembro de 2013, com um sem-teto, Rafael Vieira. Ele foi detido e acusado de carregar garrafas com várias substâncias, incluindo água sanitária. Apesar de a defesa argumentar que Rafael não participou dos protestos e que as substâncias não poderiam ser usadas para causar danos, o magistrado decidiu que "o etanol encontrado dentro de uma das garrafas pode ser usado como combustível para incêndios, com a capacidade de causar danos a propriedades, ferimentos pessoais e morte". Ele foi condenado a cinco anos de prisão.
Para aumentar a repressão à liberdade de expressão, várias leis foram propostas no Congresso criminalizando as manifestações, incluindo o aumento da pena por crimes relacionados a danos à propriedade e pessoais quando estes acontecem em manifestações, a criminalização do uso de máscaras em protestos e do bloqueio de vias públicas. Um projeto de lei relacionado aos danos à propriedade inclui uma pena mínima maior que a de assassinato.
Além disso, a Lei Geral da Copa do Mundo, que foi aprovada em 2012, já proíbe manifestações que não contribuam para um evento "festivo e amistoso", o que significa que alguns protestos poderão ser considerados ilegais dependendo de sua natureza, se forem realizados em qualquer lugar próximo de um estádio, que, é claro, se situam principalmente em áreas urbanas altamente povoadas.
O direito ao protesto e à liberdade de expressão é protegido pela lei internacional, mas esses direitos estão sendo burlados no Brasil. Na verdade, o próprio governo estima que gastará cerca de 1,9 bilhão de reais (494 milhões de libras) em equipamento de "segurança" como tanques com canhões de água, spray de pimenta e teleguiados de vigilância para a Copa -- dificilmente um sinal de um país que respeita o direito de seus cidadãos a protestar.
A organização Article 19 pede que o governo brasileiro garanta a proteção ao direito de protesto e à liberdade de expressão, apresentando uma nova lei para regulamentar o uso da força policial durante manifestações, que deverá seguir cinco princípios de acordo com os padrões da ONU: legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.
Essa lei também deverá garantir que o policiamento em protestos se destine a proteger o direito das pessoas a manifestar-se de maneira segura, e que a ênfase deve ser na negociação, mais que na repressão como é atualmente.
Com eleições marcadas para outubro, o governo deveria estar escutando a população, e não reduzindo seu direito a manifestar suas preocupações. O papel de liderança global que o Brasil exerceu online organizando a conferência sobre a internet NETmundial e adotando uma das primeiras leis mundiais de liberdade na rede mundial, o Marco Civil, precisa ser replicado em protesto. O Brasil deve parar de se comportar como uma ditadura militar do passado e começar a agir como a democracia que é.

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