"O Cunha vai falaaar, o Moro vai te pegaaar"; com esse canto
uma pequena banda de manifestantes recepcionava no aeroporto os políticos que
voltavam para Brasília em uma terça-feira, no final de outubro.
A "ameaça" era uma referência à possibilidade de que o
ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, agora preso, feche um acordo de delação
premiada e entregue possíveis provas contra seus ex-colegas para a Operação
Lava Jato e o juiz Sérgio Moro.
O episódio ilustra um pouco do clima na capital federal, seis meses após
a queda da ex-presidente Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer, em 12 de
maio.
A troca de
governo, definitivamente confirmada no final de agosto, por um lado melhorou
sensivelmente a relação entre Planalto e Congresso, o que permitiu ao
presidente avançar com sua principal proposta – a criação de um teto de
20 anos para conter a expansão dos gastos públicos, que já passou na
Câmara e deve receber o aval do Senado em dezembro.
Por outro
lado, não foi capaz de encerrar a instabilidade política, já que a incerteza
quanto aos próximos capítulos da Lava Jato continua a rondar a Praça dos Três
Poderes. Além disso, a pendência de uma ação movida pelo PSDB no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) que pede a cassação da chapa eleita em 2014
(Dilma-Temer) por supostas irregularidades na campanha é outro foco de risco
para o governo.
Diante
disso, têm aumentado nas últimas semanas as especulações sobre uma possível
interrupção da administração Temer. Mas, embora essa possibilidade não possa
ser totalmente descartada, não parece o cenário mais provável, acredita o
cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.
Isso
porque, explica ele, a Constituição prevê que o presidente não pode sofrer
impeachment por fatos anteriores ao seu mandato, o que reduziria os riscos
relacionados às delações. Quanto ao TSE, Cortez avalia que o alto custo
político de uma nova troca presidencial tende a suspender o desfecho da ação.
Se a chapa for cassada ainda neste ano,
teria que ser convocada uma nova eleição direta. Já se for derrubada a partir
de janeiro, o Congresso escolheria o próximo presidente. Em ambos os casos, o
novo mandatário governaria até 2018.
"O que evita a eventual cassação
da chapa é justamente essa dimensão informal das relações da Justiça eleitoral
com o mundo político. Porque em boa medida o que vai prevalecer é o custo
político muito elevado de uma eventual nova transição presidencial em meio a um
cenário de crise econômica e de incerteza em relação a quem vai assumir",
observa Cortez.
"Acho que o efeito principal
dessas duas agendas (Lava Jato e TSE) é um pouco limitar o capital político do
Temer e, por consequência, limitar a governabilidade, especialmente aos olhos
da agenda econômica", acrescenta Cortez, destacando os desafios que o
governo ainda pode enfrentar para aprovar propostas polêmicas, como a reforma
da Previdência.
Avaliação semelhante tem a cientista
política Andréa Freitas, professora da Unicamp. Ela observa que a negociação
com o Congresso envolve promessas (políticas e eleitorais) por parte do
presidente – eventuais incertezas sobre a estabilidade do governo dificultam
esse processo.
"Quando você tem um governo
ameaçado do ponto de vista de legitimidade, por várias frentes, pela Lava Jato,
pelo TSE, as propostas dele ficam menos críveis e isso dificulta os processos
de negociação", afirma.
Mesmo que pareça improvável hoje a
cassação da chapa pela Justiça eleitoral, "enquanto a ameaça estiver
pairando, ela pode ser efetivada, e isso torna o presidente um ator mais
fraco", ressalta ainda a professora.
Serra, Padilha e Skaf negam qualquer irregularidade. Revelações da Lava
Jato já derrubaram importantes ministros de Temer, como o senador Roméro Jucá
(Planejamento) e Henrique Eduardo Alves (Turismo), ambos do PMDB.
O próprio presidente foi acusado pelo delator Sérgio Machado,
ex-presidente da Transpetro, de ter pedido ajuda para obter recursos ilícitos
como doação eleitoral para a campanha de Gabriel Chalita à Prefeitura de São
Paulo em 2012. Machado também prestou depoimento ao TSE, dentro da ação que
pede a cassação da chapa presidencial eleita em 2014.
No Congresso, lideranças dos principais partidos tentam articular uma
nova lei que criminalize o caixa dois (doação não registrada de campanha), com
uma redação que anistie práticas passadas. A primeira tentativa, em setembro,
foi barrada pela repercussão negativa. Embora não haja previsão de crime
específico hoje, os agentes da Lava Jato dizem que essas operações hoje podem
ser punidas dentro da legislação eleitoral ou como crimes de lavagem de
dinheiro e corrupção.
Para Antonio Lavareda, professor de ciência política da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), não é possível prever quais serão os impactos da
delação da Odebrecht sobre o Planalto.
"O que a gente pode chamar de estabilidade política tem uma dimensão
objetiva e subjetiva. Na dimensão objetiva, o governo tem conseguido marcar sua
estabilidade, com uma base forte no Congresso", destaca.
"Agora, na dimensão subjetiva, a Lava Jato continua a alimentar
bastante receio, insegurança e incerteza sobre o futuro e o que poderá ser o
ano de 2017", ressaltou.
Informações: ig